sexta-feira, 29 de junho de 2007

Um dia no divã

UM DIA NO DIVÃ
Por André Carvalho

Para ler ouvindo “Eu não uso sapato”-Charlie Brown Jr.

Certo dia, o delegado me chamou na sala dele e informou que todos os policiais devem uma vez por mês fazer uma consulta com um psicólogo devido ao grande número de reclamações de violência desnecessária utiliza pelos policiais. Me entregou um cartão de uma psicóloga conveniada com a polícia.Sai da sala dele não entendendo o motivo disso tudo, já que acreditava que fazíamos o que deveria ser feito.

Mas como eram ordens superiores eu liguei e marquei a consulta. Nunca havia me consultado com um psicólogo, achava coisa de filhinho de papai, ou mulher. Sou uma pessoa fechada, amigos só tenho meu cachorro, um pastor alemão que trabalhou para a polícia durante anos e quando se aposentou eu o adotei.

Cheguei ao consultório um pouco nervoso, sem saber ao certo o que estava fazendo ali, e a psicóloga (que era linda, se não fosse à situação constrangedora a convidaria para sair) começou com as perguntinhas básicas:

-Nome completo
-André Batista Carvalho
-Idade
-30
-Estado Civil
-Solteiro
-Filhos
-Nenhum
-Tem dificuldades para dormir?
-Sim
-Sente dores na cabeça?
-Frequentemente
-Faz algum tipo de tratamento?
-Não
-Já matou alguém?
-Esta é a minha profissão doutora.
-Já matou alguém inocente?
-Acho que sim
-Está há quanto tempo na policia?
-12 anos
-Toma bebidas alcoólicas?
-Sim
-Fuma?
-Sim
-Usa entorpecente?
-Dei uma risada e ela entendeu o que eu quis dizer.

-Agora peço que relaxe, e me conte a historia de sua vida, desde pequeno me fale sobre sua família, como entrou para a polícia, você começa a contar hoje e continuaremos nas próximas sessões. Pode começar.

Mas eu não comecei, travei, não consegui me expressar, não consegui dizer uma só palavra sobre minha vida, pedi desculpas, levantei e fui embora.

Peguei meu carro e fui para minha casa. Coloquei uísque em um copo, acendi um cigarro e pensei no que havia acontecido. Comecei então a pensar na minha vida. Lembrei do meu passado, como um filme que passa na sua frente.

Minha família era eu, minha mãe e minha irmã (mais velha). O senhor que se dizia meu pai fugiu com a vizinha. Minha mãe faleceu quando eu tinha 15 anos então vivi com minha irmã até que meu cunhado me expulsou da casa deles quando eu tinha 17 anos, porque me achava um adolescente problemático. Entrei para o exercito e quando sai consegui um emprego na polícia.

Não vejo minha irmã há anos, não tenho amigos. Não tenho namorada pois nunca consigo me envolver emocionalmente com elas (isso é o que todas dizem quando acaba). Não entendo isso, porque eu tenho que enviar flores todos os dias dos namorados?Porque eu tenho que ligar no dia seguinte?Porque eu tenho que participar dos almoços familiares chatos de domingo?Eu nem consigo me lembrar se almocei ontem, porque tenho que lembrar das datas de aniversários dela, da mãe dela, do pai, do irmão, do papagaio, do cachorro, de namoro?Porque as mulheres ligam para essas coisas?

Chamam-me de insensível, porque não me apego a ninguém e mato desconhecidos a sangue frio. Mas como ter dó de uma pessoa que nem conheço,não tenho nenhum tipo de afeto?
Depois de pensar durante horas, resolvi escrever e entregar para a psicóloga na próxima sessão juntamente com um convite para tomar um café. Não sei se ela irá aceitar depois de conhecer um pouco da minha personalidade fria, mas eu adoro um desafio.

4 comentários:

_Ton_ disse...

Sem dúvida nenhuma, um homem comum... com dificuldades pra se abrir, até consigo mesmo... Somos todos iguais. Ou não.

ROGÉRIO FERREIRA disse...

eu tambem não sei fazer poesia!
envolver-me emocionalmente apesar dos esforços, tambem não é minha praia. Mas como diria o cantor.
Mas que se foda!

Unknown disse...

Que horror guris....Tem que se envolver mais....rsrsr...Tirar essa armadura....heheheh..Bjs

soozie disse...

Insensível...

já me disseram isso antes. Até minha mãe. Acho que posso entrar para a polícia sem problema algum...