domingo, 17 de agosto de 2008

Para sempre, irmão

trilha: Canção da América - Milton Nascimento


Olá irmão, sei que há muito espera essas palavras minhas e sei também o quanto você precisava ouvi-las a mais tempo. Distanciei-me completamente de você por tantos anos que havia até me esquecido de suas feições. Passamos por tanto juntos. Desde pequeno sempre pude contar com o seu apoio para qualquer situação. Lembra daquela vez que eu estava apanhando do moleque mais forte da rua e você me socorreu? Tomou a surra no meu lugar enquanto eu corria e quando chegou em casa todo machucado, sua primeira reação foi ver se eu estava bem. Até nas nossas próprias brigas, você assumia a culpa e tomava a bronca da mãe sem reclamar, enquanto eu ria escondido atrás da porta.


Apesar de tantas lembranças boas, a que mais me vem à mente é aquela que nos separou. Cego, não percebi as “forças” que atuavam para nos separar de tantas maneiras. Por tantas vezes nos juntamos para ir atrás de alguma mulher e, ironicamente, nos separamos por causa de uma. Hoje é muito mais fácil pra mim pensar nas besteiras que fiz, no rancor que guardei por todos este anos e me arrepender. O ódio tapava meus olhos e eu não percebi o quanto a pobre Sandra te amava. O azar foi ela me conhecer primeiro. Tínhamos um “namorico” até ela te conhecer mais profundamente e ver que era você o par perfeito para ela. Hoje, concordo. Na época saí enfurecido da sua vida.



Ah, quantas foram as suas tentativas de reconciliação. Quantas vezes bateu em minha porta, incansável. Lembro-me até que chegou a escrever uma carta na qual dizia que deixaria Sandra pra me ter de volta como irmão. Li, mas nem me dei ao trabalho de pensar no assunto. Pra mim não importava, meu irmão havia morrido. Depois dessa, você foi desistindo aos poucos. O tempo foi passando, e o meu ressentimento me transformava em uma pessoa terrível por dentro. Eu não ia a nenhum lugar no qual corresse o risco de te encontrar.


Não havia conhecido meus sobrinhos até semana passada. Que jovens... Homens, na concepção da palavra. Lembram muito o pai. Abraçaram-me forte ao me ver, como se já me conhecessem desde a infância. E de fato conheciam. Contaram-me de como você falava de nossas histórias com muita saudade, as vezes com uma lágrima presa no olhar.


Há sete dias acordei bem, como há muito não acontecia. Respirei fundo e não senti a já habitual dor no peito. Logo vi aqueles dois rapazes parados me olhando com afeto. É claro que percebi de quem se tratavam, já que mamãe fazia questão de informar-me das novidades. Desde que essa doença no coração me debilitou, ela vinha todo dia para me ver e pedir permissão para que você me visitasse, é claro que eu não deixava.


Os jovens trataram de contar-me o sofrimento pelo qual você passava desde que soube de minha doença. De como andava calado, cabisbaixo o tempo inteiro. Contaram-me que certo dia à noite você os abraçou forte como se fosse a última vez. E que no dia seguinte acordaram com um estampido muito alto e depararam-se com o corpo do pai deitado no chão da sala. Ao lado, um bilhete, que me entregaram como você queria. Nele você pedia que entendessem sua decisão e que o levassem rapidamente para que pudessem retirar o seu coração e transplantá-lo em mim. Eu estava sedado há dias. Porém, certo dia eu acordei. Como há muito não acontecia. Abri os olhos pela primeira vez em anos.

Só depois de chorar muito entendi. Você assumiu a responsabilidade por um erro meu mais uma vez. Por tanto tempo envenenei meu coração, que ele ficou doente. Você me deu mais uma chance. Hoje entendo perfeitamente e me arrependo profundamente do que aconteceu. Espero ainda poder recuperar um pouco do tempo perdido.


Termino garantindo pra você: seus filhos serão meus filhos, suas alegrias serão minhas alegrias. E sua vida se eternizará na minha. Obrigado, meu irmão. Eu te amo.


Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar. Seja onde for.

3 comentários:

Marcio Brigo disse...

Cara, vou te contar uma coisa!
Eu senti esse tiro em mim. Amigo, que força textual. Fantástico!

Unknown disse...

Parábens! Um texto comovente,envolvente...
Timoteo Lopes

Unknown disse...

Nossa Tom sensacional, sem palavras, bato palmas com os olhos cheios de lagrimas, pois tenho consciencia de que um irmao faria isso sim para salvar seu irmao. Eu dou minha vida pelos meus.Bjs